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que cheguei na Alemanha para viver com o Albert, ele me apresentou
uma brasileira muito simpática que morava nas imediações da casa
dele, e que já morava há mais de dez anos no país.
Eliana* e eu tínhamos algumas coisas em comum, e o melhor de
tudo, vínhamos da mesma cidade. Ela me ajudou bastante, me
orientando sobre coisas do tipo “onde comprar o quê”; como tomar
o trem para ir até a cidade; e os cuidados necessários para quem
está chegando a um país desconhecido. Lhe sou muito grata, pois as
dicas que me deu foram de muita importância em minha vida fora de casa.
Ela
era casada e tinha suas ocupações, sua família, seu trabalho, enfim,
não tínhamos como nos vermos constantemente, mas nos víamos quando
dava, o que não era de todo ruim, levando-se em consideracao, que
sou muito discreta no que diz respeito à privacidade alheia. Além
do que, quando somos recém-chegados, ainda não temos o conhecimento
do dia a dia, de como as coisas funcionam, de como é a rotina das
pessoas no país. Elas trabalham como em qualquer outra parte do
mundo (o que pode mudar é a carga horário ou o horário de saída e
chegada para o trabalho). Elas levam os filhos para a escola; fazem
atividades esportivas, etc. O tempo, é bem restrito para coisas "extras". Principalmente quem tem filhos, pois eles têm
sempre o que fazer, depois de chegarem da escolinha (Kindergarten –
Que seria para nós brasileiros o jardim da infância, ou a classe
que antecede a primeira série do Ensino Infantil) ou da escola. Como por exemplo,
fazem dança, praticam alguma modalidade de esporte, vão ao parquinho
mais próximo; têm um compromisso com um amiguinho o outro, enfim, fazem sempre algo. No Calendário de
Compromissos da Família (sim, isso existe!) está sempre marcado os horários e compromissos a serem cumpridos, seja individualmente, mostrando o que cada um tem pra
fazer durante a semana, ou em conjunto, pois as atividades em família
também são valorizadas, principalmente nos finais de semana, onde normalmente todos se encontram em casa.
Nós
duas, sempre que podíamos, costumávamos correr em um parque próximo
de onde morávamos. Era uma delícia. Conversávamos sobre nossas
vidas, sobre o que desejávamos, nossos anseios...mas falávamos
bobagens também, e morríamos de rir com nossas loucuras. Com ela,
eu conversava sobre o que estava se passando entre mim e o Albert. E mesmo sabendo que ela era muito séria e responsável, eu me
sentia um pouco envergonhada por estar passando por aquela decepção,
mas precisava por pra fora, estava sufocando...era como um grito de socorro, talvez. Mas sabia que havia decisões que ninguém poderia tomar por mim.
Em
uma dessas conversas, quando fazíamos nossa corrida, depois que o
Albert definitivamente pôs um ponto final na nossa relação, eu lhe
falei que não pretendia ir embora imediatamente, mas permanecer e
“aproveitar” o tempo que me restava legalmente no país, afinal,
não tinha mais nada a perder, além do que já havia perdido. (Albert
não havia tampouco se oposto a isso, me disse que poderia permanecer
no apartamento sem problemas.) Ela achou que a idéia não era má, e que se
eu quisesse poderíamos sair um final de semana a noite, para
dançarmos e nos divertirmos. E falou que iria chamar mais uma amiga,
também brasileira, que vivia em uma cidadezinha distante quase uma
hora de onde vivíamos. Me falou, que a amiga chamada Maria Luiza*,
viria no final de semana, e que poderia me apresentá-la.
O
final de semana chegou e fomos de fato apresentadas. Foi uma tarde
maravilhosa. Rimos, conversamos sobre banalidades, mas também
confabulamos sobre uma possível saída no final de semana seguinte.
A Maria Luiza, era uma mulher experiente e inteligente, além de
muito bonita e expressiva. Tinha muita determinação ao falar, e era
direta e realista quando o assunto referia-se a relacionamentos a dois. Gostei
muito de tê-la conhecido, mas confesso que sentí uma confusão em
minha cabeça. Talvez aquele ainda não fosse o momento exato para
tomar uma decisão, do tipo: “encontrar alguém”, “chutar o
balde” ou até mesmo “partir pra outra”! Mas...que outra, se eu
ainda estava “naquela”?!
O
Albert não fez questão, quando eu falei que havia sido convidada
para ir até a cidadezinha onde morava a Maria Luiza, acompanhada da
Eliana.
Viajamos de trem, em uma tarde fria de sábado, mas a paisagem através das janelas era belíssima. Havia ainda um pouco de neve nos pastos que ficavam às margens da ferrovia, tornando a viagem nostálgica e me pondo pensativa. Na realidade, hoje eu acredito que o que mais me deixava desconfortável, era que eu não queria procurar e principalmente não encontrar ninguém. Afinal, não queria “arranhar” a minha imagem perante o Albert. Nao queria lhe dar o direito de falar mal de mim, ou de me maltratar de alguma forma, caso a possibilidade de conhecer alguém se tornasse real...minha cabeça fervia.
Viajamos de trem, em uma tarde fria de sábado, mas a paisagem através das janelas era belíssima. Havia ainda um pouco de neve nos pastos que ficavam às margens da ferrovia, tornando a viagem nostálgica e me pondo pensativa. Na realidade, hoje eu acredito que o que mais me deixava desconfortável, era que eu não queria procurar e principalmente não encontrar ninguém. Afinal, não queria “arranhar” a minha imagem perante o Albert. Nao queria lhe dar o direito de falar mal de mim, ou de me maltratar de alguma forma, caso a possibilidade de conhecer alguém se tornasse real...minha cabeça fervia.
Fomos
apanhadas na estação de trem, com muito carinho e atenção pela Maria
Luiza. Porém, antes que ela chegasse, nós saímos para esperá-la
do lado de fora, e qual não foi o meu choque, ao ver aquele lugar
tão pequeno, tao legitimamente provincial, sem nada ao redor. Apenas
o estacionamento para os carros, um grande ponto de ônibus, com
alguns bancos para transformar a espera menos longa, ou mais
confortável e a pista principal que leva à cidadezinha mais
próxima. O sentimento que traduzia aquela minha primeira visão era
o de estar aprisionada. Não desmerecendo o lugar, mas apenas como um comparativo, afinal, vinha de uma capital onde viviam cerca de um milhão e oitocentos mil habitantes. E não em vão eu falei: _ Deus me livre! Eu
nunca moraria aqui!
A Eliana não se conteve e deu risadas do meu comentário espontâneo e repentino.
Maria
Luíza nos levou de carro para a sua casa, que era grande e decorada
com muito bom gosto. Me apresentou seu esposo, que foi de uma
simpatia e educação indescritíveis. Ela nos fez acomodar nossas
pequenas bagagens no quarto de hóspedes, e nos encontramos em
seguida todos na sala para descansarmos e batermos um bom papo.
Seguimos discutindo o que faríamos à noite, e decidimos sair sem
destino certo, iríamos parar em algum lugar aleatoriamente, tomar
algo, nos divertir e seguir conversando.
Mas
a noite parecia também confabular, só que contra os nossos planos
de termos uma noite alegre e divertida, pois em nenhum dos lugares
que fomos havia nada para ver ou ouvir. Estavam todos vazios e
terrivelmente tranquilos. Foi quando Maria Luíza e Eliana decidiram
ver se havia festa no clube da cidade, que na verdade era uma
discoteca bem pequena e todos a denominavam assim, onde as pessoas praticamente se conheciam ou já
haviam se visto algumas vezes. Partimos então rumo àquele local.
Lá,
Maria Luíza me falou que o seu ex-vizinho, que vivia só em um
apartamento no prédio ao lado do seu antigo apartamento, às vezes
frequentava aquele lugar, e que se ele estivesse lá, caso eu
tivesse interesse, ela poderia nos apresentar. Mas, pra que? Eu não
falava quase nada em alemão, além do mais, ainda estava
profundamente triste com todos os acontecimentos. No fundo mesmo, eu
preferia ir embora pra casa. Queria minha paz. Queria minha vida de
volta. Estava ainda muito confusa.
Despertei dos meus devaneios, quando ouvi a voz das meninas dizendo que haviam encontrado em um canto da discoteca, um brasileiro
conhecido delas. Ele vinha do Piauí, e era muito engraçado,
brincalhão e o melhor, dançava muito bem. Pude comprovar quando tive
a oportunidade de dançar com ele uma das poucas músicas latinas que
tocaram aquela noite. Ele estava supostamente interessado em uma jovem alemã, mas as meninas me falaram que ele era mesmo do tipo Dom Juan, e que não levava ninguém a sério. Para mim era indiferente, pois a única coisa que me interessava nele era o seu talento para a dança, e esse eu explorei o quanto pude.
De
fato, foram momentos divertidíssimos. Mas precisávamos fazer uma
pausa, então nos aproximamos do balcao do bar, onde as bebidas eram
servidas, e tomamos cada uma algo para refrescar. O local de fato
estava cheio. Mas mesmo assim, não paravam de chegar mais pessoas.
Já era alta madrugada, quando entrou um homem muito alto, e se
aproximou do bar, pelo lado oposto de onde nos encontrávamos.
Ficando de frente pra nós. Ao abaixar-se para poder falar com os
atendentes, pude ver o reflexo dos seus olhos
azuis-acinzentados. Nessa ocasião, a Maria Luíza já confirmava para
a Eliana que era o seu ex-vizinho que havia chegado. Sentí um misto
de surpresa e curiosidade. Quem era aquele homem tão
diferente? Tão grande, tão...
As
duas, que falavam alemão muito bem, trataram logo de trazê-lo para
onde estávamos. E a sucessão de perguntas e risos quase não tinha
mais fim. O conchavo estava feito. Haviam acabado de se enteirar dos
detalhes que eram mais interessantes naquele momento: era divorciado
havia dois anos, não tinha filhos, vivia só e queria uma namorada.
Nosso
diálogo se seguiu não à dois, mas à quatro. Isso mesmo. Ele
perguntava, elas me traduziam; eu respondia, elas traduziam para ele.
E madrugada foi ficando cada vez mais divertida. Dançamos juntos algumas vezes, e de fato, pude ver que era mesmo muito alto em seus um metro e noventa e três centímetros (comparando-se que tenho apenas um metro e sessenta de altura!).
Havia, por alguns instantes, esquecido as dores que vinha sentindo até então. Dor de tristeza, decepção, mágoa, mentira, falta de atenção. Dor de não ser correspondida em meus sentimentos. Havia esquecido um mundo de lágrimas, insegurança e solidão, e me transportado para um mundo de alegria e felicidade, momentâneos, mas real.
Havia, por alguns instantes, esquecido as dores que vinha sentindo até então. Dor de tristeza, decepção, mágoa, mentira, falta de atenção. Dor de não ser correspondida em meus sentimentos. Havia esquecido um mundo de lágrimas, insegurança e solidão, e me transportado para um mundo de alegria e felicidade, momentâneos, mas real.
Saímos do bar da discoteca e fomos para o Café, que era menos
barulhento por ser separado do outro ambiente por paredes de vidro.
Lá, “nós” pudemos conversar com mais tranquilidade, sem o ruído
das músicas e o vai-e-vem das pessoas. Alí, eu pude ver em seus
olhos, como estava alegre, aquele homem dos olhos acinzentados, que
se chamava Uwe.
Como se controlava para
não mostrar a sua ânsia, diante da possibilidade de conhecer uma
nova pessoa, que poderia vir a ser sua companheira. Ao mesmo tempo,
eu me avaliava, e me perguntava se era mesmo aquilo que eu queria. Se
não estava me precipitando, talvez pela euforia daquela noite festiva, pelo
efeito do alcool, que mesmo tendo sido em pequena quantidade, poderia
alterar o meu senso de responsabilidade, minha sobriedade, e o meu
senso de serenidade. Estaria certo? Estaria errado? Deveria seguir
adiante com aquele “jogo” de sedução?
Uwe,
apenas seguia adiante com seu
interesse em me conhecer mais ou melhor, e me deu o número do seu
telefone em um suportezinho de papelão para por o copo de cerveja. Era chegada a hora e tínhamos que ir para casa, já era tarde (ou cedo...). A Maria Luiza se propôs em dar uma carona para ele, que morava no caminho que ficava entre a disco e a casa dela.
Ao pararmos no estacionamento ao lado do seu prédio, continuamos a conversar, e qual não foi minha surpresa, quando ele me olhando nos olhos, e segurando em minhas mãos, pediu para as meninas me traduzirem a seguinte frase: "Eu não sou um homem rico, mas eu tenho condições de pagar uma escola para ela estudar alemão." Emudecí por alguns instantes...
A meu pedido, a Maria Luíza o agradeceu pela sua gentileza. E por conta própria, sugeriu que podíamos nos encontrar mais tarde para almoçarmos todos juntos em algum lugar, pois era costume a família dela, que era composta ainda de dois filhos menores e uma adolescente, reunirem-se aos domingos e saírem para comer fora. Ele aceitou o convite de imediato.
Ao pararmos no estacionamento ao lado do seu prédio, continuamos a conversar, e qual não foi minha surpresa, quando ele me olhando nos olhos, e segurando em minhas mãos, pediu para as meninas me traduzirem a seguinte frase: "Eu não sou um homem rico, mas eu tenho condições de pagar uma escola para ela estudar alemão." Emudecí por alguns instantes...
A meu pedido, a Maria Luíza o agradeceu pela sua gentileza. E por conta própria, sugeriu que podíamos nos encontrar mais tarde para almoçarmos todos juntos em algum lugar, pois era costume a família dela, que era composta ainda de dois filhos menores e uma adolescente, reunirem-se aos domingos e saírem para comer fora. Ele aceitou o convite de imediato.
Na
noite em que conhecí o Uwe, eu soube de imediato que algo entre nós
aconteceria que iria transformar a minha vida para sempre, e naquela
madrugada, eu chorei baixinho, sufocando os soluços, para que não
fosse percebido o meu sofrimento solitário. Naquele momento, havia
sido determinado pelo destino, que eu não mais retornaria para o
Brasil, ou que ao menos não retornaria sozinha.
*Em
respeito a essas duas pessoas, as quais não quero expor de nenhuma
forma, e por uma questão pessoal e de princípios, decidí que as chamarei por
nomes fictícios.
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