Donnerstag, 7. August 2014

Começar de novo...e sempre!

Ao mudar para a casa do Uwe, na mesma cidadezinha onde morava a Maria Luiza, a brasileira que nos havia apresentado, os meus sentimentos estavam ainda muito confusos. Não em relação à nós dois, mas em relação ao meu comportamento em sí. Não tinha certeza se tinha que ser daquela forma.
Sentimentos confusos,  porque sempre prezei pelo bem estar das pessoas, e mesmo que a minha convivência com o Albert não tenha sido das melhores, mesmo sabendo que ele não havia sido correto comigo, eu não queria o mal dele. Trazia comigo um grande complexo de culpa, por ter falado apenas meia verdade pra ele sobre o meu "novo endereço". E esses sentimentos me perturbariam por algum tempo. Mas por outro lado, estava feliz por um novo recomeço em minha vida. Cheia de expectativas para a vida que levaria junto com o Uwe.

Saí de uma cidade grande e mudei para morar em uma cidade provinciana, interiorana mesmo, como diríamos no bom e claro português. Onde os habitantes prezam ainda pela moral e bons costumes da família. Fazendo questão de viverem em círculos fechados, não se permitindo tão aberta e facilmente a convivência com recém-chegados, se comportando e olhando meio desconfiados para as novas caras que por ali se chegam. Principalmente se são estrangeiros.
Algumas pessoas são tão fechadas, e porque não dizer "primitivas", que até hoje mal trocam um bom dia. E comigo a recepção não poderia ser diferente.
Confesso que foi tudo muito rápido e tive que assimilar muita coisa de uma só vez. Foi algo do tipo "tudo ao mesmo tempo agora"!  A paz que Uwe me proporcionava; a incerteza do futuro; a preocupação com minha mãe (sim, eu precisava explicar o "samba do crioulo doido" no qual me envolví); queria aprender a falar o mais depressa possível; queria trabalhar; queria conhecer a vida no país (tudo -ou quase tudo funciona diferente de como é no Brasil!) queria ter filhos...!
Mas sobretudo, queria e teria que me adaptar à minha nova realidade. E não seria muito fácil.

Como nos conhecemos e resolvemos morar juntos em muito pouco tempo, o Uwe já havia programado as suas férias de final de ano com um grande amigo, e os dois já haviam reservado hotel e comprado passagens para passarem as festas de final de ano na República Dominicana, e claro, eu não estava incluída em seus planos. Assim, o Uwe me propôs que eu ficasse em seu apartamento até que ele voltasse de viagem, e, sem outra alternativa, eu aceitei a sua proposta.
Para mim, foi uma situação, que até hoje eu penso, ter sido um dos maiores votos de confiança que ele me deu. Nos conhecíamos de pouco tempo, e mesmo assim, ele me confiou o seu lar. Eu costumo dizer, (e eu sou muito sincera nessa minha opinião) que tanto para mim, como para ele foi muito arriscado, pois do mesmo jeito que ele poderia ser uma pessoa de má índole e estar fingindo, eu também poderia ser uma pessoa de caráter duvidoso e estar jogando com ele. Mas como eu digo, quando somos adultos, e sabemos o que queremos, sempre irá valer a pena acreditar em um novo recomeço. Sempre valerá a pena correr o risco.

Duas semanas antes da viagem do Uwe, nós tivemos que resolver muitas questões burocráticas, devido ao nosso casamento; à minha mudança de residência, enfim, papéis pra lá, documentos pra cá...e pagamentos de taxas burocráticas para todos os lados. Mas ele viajou, e já deixou tudo praticamente organizado, para que quando retornasse não tivesse mais tantos atropelos.

A convivência entre nós era de total tranquilidade e harmonia. Me sentia acolhida e querida. Era uma situação contrária à que havia vivido até então. Mas ainda trazia comigo os resquícios da "ditadura" vivida com Albert.
Lembro-me do dia em que acidentalmente quebrei um copo e ele quase pôs o apartamento à baixo; ou o dia em que fui fritar ovos...um Deus nos acuda! Me deixou em pânico, gritando que eu queria incendiar o apartamento!!!

Na casa do Uwe, que passou a ser "nossa casa", era tratada de igual para igual, com sinceridade de ambas as partes, sem diferença de origem, e com respeito. Um dia, por descuido, quebrei uma pequena taça  de licor pela manhã, e como ele não estava em casa, queria mostrar o que aconteceu, e não simplesmente jogar fora sem que ele soubesse. Quando chegou do trabalho, tentei lhe explicar o que aconteceu, mas ele pegou delicadamente a taça, abriu o lixo, e me falou sorrindo: "Você não tem que me explicar, isso é apenas algo material, que cedo ou tarde irá se quebrar. Quando isso acontecer outra vez, não se preocupe em me dar explicações,  apenas jogue fora."
Essas coisas parecem bobagens, mas foi algo que me deixou muito feliz e me deu paz. Com o passar do tempo, me sentí segura e liberta, e não me sentia "pisando em ovos", ou como um pássaro fora do ninho...

As festas Natalinas haviam chegado, e eu estava sozinha, sem minha família, sem meus amigos, sem ninguém por perto que fosse do meu convívio. O telefone que o Uwe muito amavelmente solicitou a instalação para que eu pudesse me comunicar com minha família e amigos no Brasil, ainda não havia sido instalado. Só tinha apenas o meu telefone celular, que ele, por uma questão de segurança e muito carinhosamente providenciou, logo no primeiro dia que cheguei para morar com ele, para que nós em nenhum momento ficássemos incomunicáveis, caso acontecesse algo. Mas como era pré-pago, eu não tinha como me comunicar constantemente com o Brasil ainda. Nos falávamos apenas por e-mail, e muito pouco. Enfim, foram momentos de tristeza e solidão. Confesso.

Era véspera de Natal, e eu estava só. Uwe já estava longe e eu não tinha com quem conversar, a não ser com a Maria Luiza. Mas como ela tinha sua família e suas ocupações, e eu não gostava (e ainda não gosto!) de incomodar as pessoas, eu passava mais tempo sozinha no apartamento, revendo meu material de estudo da língua alemã, que eu havia levado comigo.
Nesse dia, eu acordei mais tarde, e como ainda não estava muito familiarizada com a minha "nova vida", e ainda desorientada com tantos acontecimentos, resolví dar uma volta no pequeno centro da cidade, mas qual não foi a minha surpresa quando me deparei com as lojas quase todas já fechadas às duas da tarde. Mesmo assim, dei uma pequena volta no lugar. Olhei ao meu redor e me senti só como nunca. O vazio que eu via nas ruas, se instalou quase que automaticamente dentro de mim...quis chorar. Meu peito apertou e eu voltei pra casa. Fazia frio, e tudo era tão cinza. Tão  sem vida...e eu sozinha...
Desci as escadarias que levavam ao nosso prédio um pouco cabisbaixa, queria chegar o mais depressa em casa. Queria a segurança do "meu lar". Queria a presença de Uwe, que a essas alturas já estava curtindo o sol, o mar e o calor de Cabarete, no Atlântico. E eu tão só...

Era aproximadamente quatro da tarde, quando a  Maria Luiza me telefonou, e me disse que havia conversado com seu esposo, e falado que eu passaria as comemorações natalinas sozinha, e ele sugeriu que ela me convidasse a participar da ceia com eles. Foi quase como uma ordem, ela não queria me deixar sozinha naquela ocasião, e eu achei de uma gentileza tamanha. Não tive como não aceitar. Ela passaria para me apanhar às seis da tarde. Fiquei imensamente agradecida.

Logo que mudei pra morar com o Uwe, eu tinha muito receio ainda de voltar à Dortmund.  A pesar do centro comercial de lá ser muito maior e mais diversificado que o da cidadezinha onde morávamos, onde as lojas ainda eram aquelas especializadas em determinados tipos específicos de artigos, ou lojas para senhores, lojas para senhoras. Lojas que foram herdadas e passadas de geração em geração. E na maioria das vezes com artigos que não tinham nada a ver com a moda jovem do momento, e sem contar que os preços eram muito elevados. Mas as idas para as compras me custavam muitos nervos, pois era como se eu estivesse voltando a um passado ainda bastante recente, com feridas ainda abertas e por cicatrizar. Tinha sempre a sensação de que qualquer carro que estivesse próximo ao nosso, poderia ser o do Albert; ou que qualquer pessoa que subisse ou descesse nas escadas rolantes das lojas de departamentos me observava, podendo ser ele também. Eu não tinha nada à esconder, nada à declarar, mas me sentia ainda muito fragilizada e não estava preparada para um reencontro ou uma confrontação. Não ainda.

Alguns dias antes, pouco depois de me mudar, e já sabendo que ficaria sozinha no Natal, perguntei para a Eliana (que era a amiga brasileira do Alfred, a qual ele me havia apresentado) o que ela faria naquela noite, (eu não tinha a menor idéia de como eram as festas natalinas na Alemanha) e ela falou que não faria nada de especial, mas sim algo simples, como uma sopa ou algo assim, e que convidaria uma outra amiga para um bate papo. Perguntei se poderia me juntar à elas, e ela me disse que sim, mas como ainda era cedo, poderíamos ir nos falando para confirmar.
Na verdade, eu me sentia tão insegura...não havia ainda andado sozinha de trem (que era a única forma de eu ir para Dortmund, pois eu ainda não dirigia...) e ainda não falava quase nada...e o medo da confrontação era enorme, pois ela morava à menos de cem metros da casa do Albert. Eram tantas dúvidas que me martelavam a cabeça e apertavam o coração...não tinha certeza se de fato queria ir...me sentia fragilizada...sem segurança...talvez tivesse medo.
Alguns dias antes do Natal, telefonei para Eliana, como planejado, e perguntei mais uma vez se poderia estar com ela naquela noite, que tinha se transformado numa noite tão triste pra mim. Ela me respondeu que eu fosse, se eu achasse que deveria...Naquela ocasião, devido à minha fragilidade emocional, achei a resposta um pouco vazia e sem muito calor humano, fria e sem sensibilidade. Então decidí não ir.
Mas na verdade, talvez eu só estivesse procurando justificar a minha decisão.
Eu tinha medo. Simplesmente isso.

As comemorações natalinas na Alemanha (não sei em outros países da Europa, mas acredito que sejam bem parecidas...) são bastante diferentes das que conhecemos no Brasil. A base é a mesma para os cristãos, reunir a família para celebrar o nascimento do menino Jesus.
Mas a questão climática faz toda a diferença: no Brasil o Natal é celebrado no auge do verão.
O calor dessa estação do ano é um enorme medidor de estado de espírito e humor.
No Brasil ou em países tropicais, onde o sol brilha por mais tempo, e isso é fato, temos sempre o astral elevado, estamos mais tempo alegres e tudo parece ser festa.
Mas já nos países onde o frio é duradouro, longo e constante, as pessoas estão na maioria das vezes com o humor "comprometido" e nem sempre dispostas. E na Europa, as festas natalinas são comemoradas nesse clima. Nada de churrasco na casa dos amigos ou parentes como estamos acostumados no Brasil. Nada de "reunir a galera" para aquela festança.
Aqui é tudo muito mais formal. Na Alemanha por exemplo, o Natal é comemorado em três dias, e dois deles é feriado, que são os dias 25 e 26/12
(ver http://caminhosquevou.blogspot.de/2013/12/natal-o-que-voce-e.html).

A festa para a celebração da chegada do Ano Novo é um pouco mais diferente, menos formal e mais "calorosa", mas mesmo assim, também devido ao frio do inverno, não dá pra esperar uma comemoração como fazemos no Brasil.
Há queima de fogos, felicitações e desejos de um ano melhor, mas mesmo assim, falta "algo". Quem já vive há mais tempo "fora de casa" sabe como é, e já dá um jeitinho de reunir os amigos e festejar de forma mais "quente", com aquele "ramba-samba" como falam os alemães.

E foi assim que celebrei a "virada" do ano na casa da Maria Luiza, com muito calor humano, rodeada de pessoas que exalavam muita alegria, e um desejo pessoal que minha vida com o Uwe fosse de harmonia e muita paz. Conhecí pessoas novas, que até hoje são de alguma forma especiais em minha vida.

Em determinado momento, resolví me retirar um pouco daquele ambiente festivo. Peguei meu telefone celular e liguei para minha família no Brasil, era tudo que eu precisava: ouvir a voz da minha mãe, que me fortalecia e me dava novas energias pra continuar. Pude falar com minhas irmãs e minha mãezinha. Foram pouquíssimos minutos, até que a ligação caiu...Acabara-se os últimos créditos. O que ficou foi um aperto no peito, uma angústia sufocante, e uma vontade imensa de chorar...chorei! De tristeza, de saudade, de vontade de estar "em casa" naquele momento. No aconchego do lar, onde eu havia crescido...onde eu havia brincado de boneca, do quintal onde eu havia jogado futebol com minhas irmãs, dos pés de frutas que fizeram a nossa alegria, e das brincadeiras da infância...!
Era muita realidade de uma vez só.
Eu apertei o telefone contra o peito e simplesmente chorei.

O esposo da Maria Luiza, que como eu falei para ela em uma oportunidade quando conversávamos, era um homem excepcional, que se importava com as pessoas, um ser verdadeiramente humano, "apareceu do nada", me surpreendeu afundada em minha própria tristeza, colocou a mão no meu ombro, e me perguntou se eu estava bem. Eu levantei a cabeça com os olhos úmidos pelas lágrimas que havia pouco tinha derramado, e lhe respondí que sim. 
Mas eu não estava bem...





















Um Conto Corrido

07:30 - O Telefone -Alô! -Mãaaae!! Esqueci a mochila de esporte na parada do ônibus! -Corre por favor antes que alguém pegue! -E onde vc est...